O que era colorido, de uma hora para a outra fica cinza. O barulho gostoso das risadas infantis é cada vez mais raro e o medo parece ser o carro-chefe de muitas brincadeiras. Pensar em criança é lembrar de agitação, gritos animados, música. Mas quando isso começa a mudar um sinal de alerta deve ser ligado. O recente assassinato do menino Henry Borel, de 4 anos, vítima de violência doméstica, é um exemplo do quanto isso precisa ser conversado, tanto entre adultos, quanto com as crianças.
Psicóloga de formação e idealizadora da Kindergarten Recreio, Márcia Andrade avisa: “As crianças mudam seu comportamento quando estão sendo agredidas, abusadas ou ameaçadas, física ou psicologicamente. Como ainda não conseguem verbalizar tudo o que estão sentindo, o corpo fala”. Os sinais emitidos pelos pequenos, segundo Márcia, variam de acordo com a personalidade e a idade de cada um. “Crianças extrovertidas se tornam introvertidas, tiques nervosos aparecem, como piscar os olhos, morder os lábios, mexer muito com as mãos, além de insônia, apatia e outras reações. Os desenhos feitos pelas crianças também mudam de padrão: ou ficam menos coloridos, ou rostos tristes ou bravos começam a aparecer com frequência”, detalha. A força do lápis sobre o papel também pode ser um indicativo de que algo não vai bem: “A criança às vezes descarrega sua tensão fazendo riscos mais fortes”, pontua.
Em uns, esses sinais podem aparecer de forma mais clara, outros começam a demonstrar aos poucos. Por isso é importante que os olhares de pais e cuidadores estejam sempre atentos. “A principal lição que precisamos tirar disso tudo é que a criança tem que ser ouvida. Mesmo com a vida corrida que levamos, com a jornada dupla ou tripla das mães, todos têm que tirar um tempo para conversar com o filho e reparar em possíveis mudanças de comportamento”, orienta Márcia. E frisa: “Muita gente não leva a sério e acha que ‘é coisa de criança’, mas nem sempre é assim”.
De acordo com a psicóloga, é fundamental manter um canal de diálogo aberto com a criança: “A TV e a internet estão cada vez mais acessíveis, os amiguinhos falam sobre todo o tipo de assunto, não existe mais esconder as coisas da criança”. Mas avisa: “É importante conversar sim, mas sem alarde. O sinal de alerta deve ser dado, mas sempre de forma leve sem gerar pânico ou medos desnecessários”. Lançar mão de brincadeiras, como teatrinhos e livros, são formas lúdicas de falar sobre esses assuntos sem precisar dar exemplos reais.
É de extrema importância, também, que a criança se sinta segura para demonstrar o que está sentindo aos pais e principais cuidadores. “Se o filho chega para contar algo de errado que fez e a primeira atitude dos pais é dar uma bronca e colocar de castigo, essa criança não vai falar mais nada, por medo de ser culpada. O papel dos pais, nesse momento, é sim explicar que ela errou, mas reconhecer a atitude positiva de assumir e contar o que fez. E, juntos, podem pensar em alguma solução para reparar o erro”, ensina. E finaliza: “Criar uma relação de confiança faz com que a criança saiba que pode dividir o que está acontecendo com ela. E isso certamente só vai ajudar”.
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